Durante o nosso tempo de vida, todos sem excepção experimentamos a realidade do sofrimento emocional. Certamente, cada um de nós terá as suas razões. Não é saudável ignorar as causas reais de acontecimentos de elevado impacto. Sentir é uma condição humana. Estamos geneticamente equipados para sentir emoções ligadas a acontecimentos que percepcionamos como ruins, como por exemplo a perda, dor, solidão, fome, ausência de abrigo, desprezo, injustiça, desilusão, decepção, entre outros. Mas o que dizer do sofrimento autoinfligido, o que dizer do sofrimento edificado em crenças irrealistas, promovido por formas de pensamento derrotista, exacerbado por maneiras rígidas de olhar o mundo? Esse é o tipo de sofrimento emocional considerado desnecessário, e que tanta dor trás a muitos de nós.
Em grande parte, independentemente das razões de cada pessoa, na base do sofrimento emocional está o movimento do pensamento. Sempre que viajamos no nosso passado, para fazer comparações depreciativas, ou para nos focarmos em memórias que nos fazem disparar a tristeza ou nos reforçam o sentimento de incapacidade ou derrota, sofremos com isso. Sempre que nos projetamos no futuro, imaginando o que gostaríamos de ter, alcançar ou conquistar, e construímos a ideia de que não temos meios, nunca iremos ser capazes, ou o que imaginamos é só para alguns eleitos, sofremos com isso. Sempre que estamos no momento presente, e fazemos disparar em nós o movimento do pensamento construindo cenários mentais que nos botam para baixo, ou nos fazem ver um filme mental que relata o quão miseráveis, infelizes ou inferiores somos, sofremos com isso.
Muitos autores têm vindo a referir a importância de viver o momento presente, e em certa medida eu concordo com esta ideia. Mas também concordo que inevitavelmente existem muitos estímulos externos que nos fazem disparar memórias antigas que podem remeter-nos para o sofrimento. Por outro lado, todos nós temos um forte impulso para nos projetarmos no futuro, e não existe mal algum nisso. Portanto, torna-se evidente que nos movimentamos constantemente nesta linha de tempo que é constituída pelo passado, presente e futuro. Não lhe podemos fugir. Não seríamos funcionais se não recordássemos as nossas experiências, nem teríamos uma vida significativa se não tivéssemos perspetiva de futuro. O que importa é saber caminhar nesta linha temporal, sem nos confundirmos com ela, sem nos fundirmos ou resumirmos a ela, e perceber que temos a capacidade de criar hábitos mentais que permitem libertarmo-nos do sofrimento projetado pelas nossas mentes sempre que ficamos a viver o filme mental do passado ou do futuro e trazemos “esse” sofrimento para o presente.
Apresento sete passos em que pretendo ensinar habilidades práticas para alterar os estados mentais dolorosos antes que eles possam tomar o controle e prejudicar a sua vida. São sete tomadas de consciência simplificadas (hábitos mentais) que podem aliviar o seu sofrimento emocional e, assim, ajudá-lo a tornar-se mais consciente da capacidade que possuí para estar no controle da sua mente.
1. LIBERTE-SE DAS SUAS HISTÓRIAS DE SOFRIMENTO VITIMIZANTE
Todos somos contadores de histórias acerca das nossas experiências. A forma como narramos os acontecimentos de impacto negativo, tem enorme influência na forma como posteriormente olhamos a vida. Se de forma esperançosa ou de forma vitimizante. Histórias distorcidas sobre o seu passado ou visão do futuro podem ser uma experiência que permite perceber o quão você pode estar perdido em pensamentos negativos, torturando-se com acontecimentos dramáticos. Esforce-se para perceber a forma como narra os seus acontecimentos, como se prende e identifica com eles, ao ponto de construir um cenário mental catastrófico que apenas passa tudo o que de errado aconteceu ou vai acontecer com você.
Para aprofundar o assunto, leia:
2. MANTENHA-SE NO MOMENTO PRESENTE
Sempre que você estiver a vaguear num mar de pensamentos recorrentes de angústia, decepção, tristeza profunda, e sentir que o seu sofrimento disparou, traga o seu pensamento para o momento presente. Abandone o movimento do pensamento e mantenha-o no momento presente, fixando a atenção em algo que esteja a fazer, ou simplesmente na sua respiração. Faça isso. Abandone o julgamento do seu passado, deixe por momentos de projetar-se no futuro, fique consigo.
3. SINTA O SEU CORPO
Tome consciência do seu corpo. Entre em sintonia com as sensações do seu corpo. Utilize o passo anterior. Abrace o momento presente, e foque a sua atenção nas sensações que o seu corpo lhe proporciona. Por vezes podem ser sensações desagradáveis, mesmo assim tente perceber a sua localização para que conscientemente possa aliviar o incómodo. Se forem boas sensações, geralmente são, por exemplo, a sensação de uma xícara de chá, ou do cabelo ao vento, ou do sol no rosto, o aconchego de um abraço. o seu corpo pode ser uma porta de entrada para a tomada de consciência de alguns hábitos que podem aliviar o seu sofrimento. No exato momento que fica com as suas sensações corporais, o seu pensamento deixou de movimentar-se. A sua mente está ocupada com a contemplação das boas sensações.
4. ACEITE OS SEUS SENTIMENTOS DESAGRADÁVEIS
Uma das condições humanas é sermos sensíveis. Temos a capacidade de sentir um alargado leque de emoções. Umas gostamos, são prazerosas, e outras detestamos, são desagradáveis. Mas, não podemos não sentir as que não gostamos. Por isso, importa reconhecer os seus sentimentos desagradáveis, como a raiva, a tristeza, a autocrítica negativa, inveja ou preocupação excessiva e tratá-los de maneira amigável, como algo que se expressa no seu corpo. Para que este exercício possa ser possível de realizar você tem de entender que não é os seus sentimentos. Você tem de entender que existem sentimentos que se manifestam em você, mas que nem sempre tem de julgar ser aquilo que está sentindo. Quando você ouve o som do sino da igreja, sabe perfeitamente bem que não é o som que o sino imite. No entanto, ele expressa-se no seu corpo. Assim funcionam alguns dos nossos sentimentos. Precisamos aceitá-los, mas não temos de nos fundirmos a eles, julgando ser o que sentimos. Reconhecer a presença de uma experiência desagradável é em si um momento de tomada de consciência daquilo que está acontecendo em nós ou fora de nós. Aceite os seus sentimentos desagradáveis, não lute contra eles, essa é uma luta inglória. Depois distancie-se o suficiente dos seus sentimentos para que possa deixar de reagir e tomar ações em consciência.
Para aprofundar o assunto, lei: Porque os sentimentos negativos podem ser surpreendentemente bons para você?
5. PRATIQUE A AUTOCOMPAIXÃO
Por vezes, perante determinados acontecimentos de vida acionamos a autocrítica interna, bombardeando a nós mesmos com críticas devastadoras. Viramo-nos contra nós, não conseguimos aceitar determinados comportamentos que realizamos ou até mesmo formas de pensamento que nos guiam. Não nos perdoamos por erros e fracasso, ou por alguma encruzilhada de vida que possamos estar a enfrentar. Perante este tipo de atitude audodestruidora, passamos a ser o nosso maior inimigo. Deixe de botar-se abaixo, tente compreender-se a si mesmo para que possa suportar a sua dor com empatia.
Autocompaixão significa ser razoável consigo mesmo, praticando a generosidade e simpatia. Não é autopiedade, mas sim um reconhecer e aceitar a sua condição humana, a sua imperfeição e possibilidade de sofrimento. No fundo, ser empático com você, do mesmo jeito que seria para o seu melhor amigo ou parceiro.
6. DEIXE DE JULGAR OS OUTROS
Avaliar os outros não é a mesma coisa que julgar os outros. Avaliar é um ato que pode ser considerado neutro, uma habilidade que é necessário para a sobrevivência e adequação à vida. Julgar, pode tornar-nos rígidos na forma de pensar, querendo que as coisas sejam da forma que julgamos que deveriam ser. “Ele está gordo, deveria perder peso” ou ”Ele é uma pessoa imprudente.” Na base do não julgamento está o respeito pelos outros, pelas suas opiniões, formas de estar na vida, e até mesmo sobre o seu passado e condições de vida. Podemos não apreciar ou até mesmo não gostar de algo ou de alguém, mas não temos necessariamente de julgar à luz dos nossos olhos. Quando julgamos impunentemente, estamos constantemente a direcionar a nossa atenção para estímulos que nos causam mal-estar, e com isso alguma forma de dor emocional.
“Em mim habitam muitas limitações, preconceitos e insensibilidades impostas pelos outros, pela sociedade e cultura.
Às vezes tão incisivas que me fazem olhar para mim de forma rígida, cheias de “ses” e “devias”,
Critico-me a mim, aos outros, às coisas, aos ricos, aos pobres, aos muçulmanos, aos cristãos, aos gays, aos do norte, aos do sul,
Sempre com a dose certa de malícia, suficiente para obscurecer a minha bondade, empatia, compaixão, solidariedade,
Tudo isso por medo, por tomar partido, por proteção, por vaidade, por supremacia, talvez até por sobrevivência,
Dia a após dia, vou ficando encarcerado pela minha maledicência que me afasta do amor,
O amor, tantas vezes esquecido,
justifico esse esquecimento pela mágoa, pela “casca” dura que o olhar com desdém construiu,
Vivo dentro dessa fortaleza que me afasta da humanidade,
Que me mantém longe da expressão livre e simplista da minha mais profunda natureza – o amor e a capacidade de ser amado,
Nos recônditos da prisão que construí á minha volta, sempre no pressuposto de me proteger, de afastar “aqueles” que julgo serem diferentes (piores),
Isolei-me de todos, inclusive dos que julgo serem iguais a mim,
Olhei mais profundamente e à minha volta vi tantos iguais a mim, também eles presos nas suas prisões construídas por eles próprios,
Eu, eles, e os outros, estamos vivendo em prisões que nos obrigam a distanciarem-nos,
que nos obrigam a deixarmos de nos expressarmos livremente com as convicções que deveriam ser respeitadas,
Que nos impedem de nos ajudarmos,
que nos impossibilitam de nos olharmos como iguais num mundo que é de todos e para todos,
Talvez todos, eu você e os outros devêssemos abrir as nossas próprias prisões (corações) e contribuir para que outros abram também as portas das suas próprias prisões (corações),
Corações abertos são a expressão de uma alma fraterna.
Vamos abrir os nossos corações.”- Miguel Lucas
7. ABANDONE A INVEJA E O RESSENTIMENTO
Estes dois estados mentais são a fonte de sofrimento para muitos de nós. Ser capaz de se sentir “alegria apreciativa” pela sorte e boa fortuna dos outros pode ser preciso muita prática. Tente perceber o que os outros fazem ou fizeram para serem bem sucedidos, e mesmo que depois dessa análise não entenda o porquê, aceite. Relativamente ao ressentimento de algo ou de alguém, tente perceber o que esse sentimento lhe está querendo dizer. Que valor está na base do seu ressentimento, o que isso diz acerca de você mesmo. Depois, se puder fazer algo para minimizar os danos colaterais associados ao ressentimento, faça. Se acha não poder fazer nada, ou não quer fazer nada, leve em consideração que o sentimento de ressentimento existe em você e não nos outros ou nas coisas. É você que está a prejudicar-se agindo ressentido, e não os outros. A parte mais difícil é tomar a decisão de deixar ir embora os seus ressentimentos. Utilizo a ideia de “deixar ir”, porque trata-se disso mesmo, se cada vez que esse pensamento ou imagem de ressentimento lhe surgir na mente, se não focar a sua atenção nele, se não o alimentar através do foco na recordação do acontecimento angustiante, ele acaba por desaparecer.
Abraço,
Miguel Lucas